A bruxa
Começou com o leite. Ela derramou na grande panela toda a caixa de leite. Não era um caldeirão como o dos filmes, mas, afinal, era só questão de estética: os ingredientes do feitiço seriam tão bem preparados numa panela comum quanto seriam num caldeirão - que era extremamente caro e difícil de conseguir.
Com uma colher de pau ela mexia o leite. Gostava do cheiro de leite aquecido - cheiro esse que ficava melhor à medida que ela deixava um brilhante filete de mel escorrer na panela.
Segurando a colher de pau com as duas mãos em movimentos circulares, pensou em dar uma gargalhada para combinar com seu comprido chapéu preto pontiagudo. Tinha ouvido dizer que as bruxas passaram a usar esse chapéu pois, na época da inquisição, os condenados por bruxaria eram levados para a praça pública com chapéus parecidos para serem humilhados e atacados pela população sedenta, enquanto percorriam seu derradeiro caminho.
Agora a manteiga. Não muito. Mas o suficiente para enriquecer o feitiço. A manteiga era muito importante naquela receita milenar que era passada de mãe bruxa para filha bruxa desde o início dos tempos. Alguns diziam que o segredo era a gordura da manteiga, outros o sal. Talvez ambos estivessem certos.
Chega, então, a hora dos ingredientes metafísicos: carinho a vontade; algumas pitadinhas de preocupação - bem pouco, mesmo, pois, se exagerar, estraga o feitiço - e amor, o ingrediente universal.
Estes últimos ingredientes são adicionados aos poucos durante todo o processo: no preparo do feitiço; quando se coloca o líquido branco numa caneca mágica e; ao oferecê-la à pequena criatura que, com os olhinhos cintilantes, observava a bruxa preparar o feitiço para curar o resfriado.
A criaturinha bebeu o líquido com toda pompa que o ritual exigia.
- Pra funcionar tem que beber tudo!
E lá foi ela, até a última gota. Devolve a caneca mágica para a bruxa que, então, a guia, até o seu quarto, a deita na cama, ajeita o cobertor e, com um beijo na testa, deseja boa noite. Era a última pitada daquele ingrediente. E a criaturinha tinha certeza de que o feitiço era poderoso e que, no dia seguinte, ela acordaria bem melhor.
A assim o foi. O poder daquela bruxa, realmente, era muito grande. E, por isso, a criaturinha se sentia segura tendo ela por perto.
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